terça-feira, 27 de maio de 2008

Registro & Perspectiva

Estaria ouvindo as mesmas músicas,
Se não decidisse desligar o rádio.
Continuaria a mesma censura,
Se houvesse se calado.
Finalizaria melhor os detalhes,
Se assim eu o quisesse.
Finalizaria melhor a melodia,
Mas gosto do som como está.
Sentiria mais você aqui,
Ainda que teu cheiro já ocupe esse espaço.
Cuidaria melhor das palavras,
E enviaria cada uma delas no Natal.
Escreveria uma biblia de perspectivas,
Selando nosso destino de doces pecados.
Sentiria um pouco mais de tudo
E ainda prefiro não prestar atenção.
Poderia ter mudado o rumo da vida
E alterado a forma como tudo funciona,
Mas preferi dar voz ao inesperado
E refletir junto ao público,
Diante do texto final.

Escute: Words - Madonna

Discos Voadores


Uns caras tiveram um sonho,
O mesmo sonho.
Criaram uma utopia
De um submundo diferente.
Desenharam o protótipo.
Finalizaram os cálculos.
Se camuflaram na areia cósmica.
Eram minotauros de um olimpo alienígena.

Os caras levitaram no sono.
Penetraram meios abissais.
Atravessaram encarnações.
Se teleportaram para outras realidades.
Viram seus nascimentos e funerais;
Seus inícios e fins...
Sentiram um frio no estômago.

Os mesmos caras brincavam nas nuvens,
Com seus uniformes teletubbies.
Eram arautos, sentinelas
Da sua nova galáxia.
Correram em discos voadores,
Saíram de órbita.

Os caras, aí então, se comunicaram com a Terra.
Pediram suprimentos de vida,
Pediram seu resgate.
Imploraram a real realidade.
Queriam voltar a Ipanema,
A um ponto qualquer no planeta.
Queriam sentir o calor do sol
E rever seus amores.

Os caras tiveram uma epifania.
Uma revelação.
Uma premonição.
Acordaram de um delírio,
Que recuaram por não saber como lidar;
Como manusear sua letargia.
Então, decidiram não alucinar mais.
Cansaram de ser lunáticos.
Futuristas antipáticos.

Esses caras caíram em si
E decidiram continuar assim.

Escute: Space Oddity - David Bowie

Millenium

Esta é a odisséia humana.
Separada entre céu e inferno,
Meteoros e bênçãos.
Antagônica.
Anos profanos, cínicos.
Indecisos, por vezes, céticos.
Dubiamente aproveitados.
Uma época, uma era,
Uns séculos estranhos.
Seitas, crenças,
Doenças apocalípticas.
Conquistas, buscas,
Procuras eternas.
Filhos suicidas, filhos assassinos.
Filhos ilustres, filhos missionários.
Filhos...
O uso de um tal de livre arbítrio,
Uma tal de lei dos homens:
Insana, confusa,
Apenas textual.
Um filho usou morfina na veia,
Para fechar a carapuça.
O outro descobriu um antídoto,
Para sarar o músculo do peito.
Outros dois selaram uma jura
E dois mais, deram-se as mãos.
Uma filha caiu apedrejada
E uma outra, apontava o dedo sujo.
Um homem deformava a história
E outro engrandecia a raça.
Uma mulher morria ao dar à luz a um herói
E outra, prostituía seus capítulos.
Conspirações, exércitos foram montados,
Para defender pátrias e idéias.
Criaram o Armageddon e a bomba de Hiroshima,
Ampliaram até os desertos.
E os filhos ainda tremem diante do canhão...
Uma realidade dissonante.
Inventaram a globalização:
Tudo está (somente!) na idéia de todos;
Escreveram livros de auto-ajuda,
Para reformularem o paraíso;
Releram as palavras sagradas,
Talvez tenha fugido alguma coisa;
Lucraram com a fé dos filhos,
Criando um superstar para guiá-los;
Recorreram a gurus,
Para entender a bosta que deixaram acontecer.

Escute: London Calling - The Clash

quinta-feira, 1 de maio de 2008

O Estado das Coisas

Agora percebi o peso das coisas,
O silêncio da casa,
O barulho dos estranhos,
Estranhos que convivi por anos.
Quero um céu para as minhas estrelas;
Meus heróis estão sem sala,
Ainda não posso recebê-los.
Minhas idéias estão voando ao vento,
Preciso anotar cada formato de versos.
Preciso de um catálogo para os meus sonhos.
Está tudo empoeirado.
Está tudo despedaçado.
Mensagens são lidas,
Trajetos são espionados,
Quando a verdade está no palco,
Sozinha.
Percebi a relevância das lágrimas
E sua inutilidade.
Quero um armário para elas,
Para expor cegueiras e clarezas
Juntas, como num altar.
Minhas fotos de viagens.
Minhas fotos de familia.
Preciso de caixas.
Guardarei meus primeiros capítulos.
Preciso de papel
Para cobrir meu tesouro.
Está tudo descuidado.
Percebi a função do tempo,
O silêncio dos outros,
O barulho que eu fazia.
Mas percebi, enfim
O estado das coisas,
Cada palavra falada ou silenciada.
A porta já havia fechado,
Cujas chaves eu nunca tive.

Escute: Judas - Depeche Mode