segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Delicato

És a suavidade...
És a espuma quando a onda quebra.
A cor e o tecido do meu alívio.
És a mão forte que sonhei por tantas vezes.
És o grande forte erguido a me proteger.
O grave e o timbre da minha canção.
És magia...
És a mentira melhor contada.
És um passo de dança.
Meu silêncio e meu aplauso,
És meu texto ensaiado.
És anjo e santo.
És uma prece em ladainha.
A vontade de rezar.
O sinal e o amém.
És meu maior medo.
És minha vergonha no palco,
Meu tom baixo de falar.
És meu destino selado.
És minha busca,
Meu mapa, minha armadilha e meu tesouro.
És cada noite em claro...
És cada anotação escondida.
Meu começo e meu fim.
És suavidade...
És a onda quebrando calma.
O vento e a areia nos meus cabelos.
És o frio e a vontade.
És a mão que segura a minha.
Me leva daqui, digo em silêncio.

Escute: There´s a Light that Never Goes Out - The Smiths

domingo, 28 de outubro de 2007

Batcaverna


Madrugada, hora amargurada.
Fujo tanto disso tudo,
Fujo tanto de mim.
Ouço uma música que me faz esquecer
Meu "trouble-identidade".

Vôo nas ruas, pairo nos pára-raios.
Escapo, saio entre os dedos,
Me escondo, me fantasio,
Corro da luz.

Procuro meu invólucro, meu casulo.
Me divido em pulsares,
Me desmaterializo.
Fujo também da minha imagem,
Meu alter ego.

Me transfiro de um ponto a outro,
Uso a linha telefônica como nave.
Transformo uma ponte num exílio.
Tenho claustrofobia,
Tenho medo do escuro,
Tenho pavor da descoberta.

Sufoco minhas vontades,
Sou um herói sem parceiro,
Um espírito solitário.
Ando só e sou órfão público,
Uso sempre capas e escudos,
Uso sempre negro.

Não me exponho, não me entrego,
Não me faço de vítima,
Não assumo os pecados,
Durmo sem paz.

Acordo quando todos adormecem,
Caminho quando todos descansam,
Choro quando todos festejam.
Tenho meu esconderijo,
Minha caverna de concreto.
Escrevo um soneto cinza,
Sou um dante em preto-e-branco
Que desaparece quando o sol nasce
E some nas sombras esquecidas
Daqueles que salvei.

Escute: Sunday - David Bowie

Fotografia de divulgação do filme Batman Begins, Warner Bros.

sábado, 27 de outubro de 2007

A Versão dos Fatos

Amor, eu te falo da verdade.
Te falo minha verdade.
Te falo do naufrágio.
Te falo da maré errante.
Descrevo a saga original.
Justifico este amor,
Que exemplifico nas palavras
E te entrego nas mãos.
Eis minha guinada.
Minha reestréia,
Minha chance para ganhar.
Conheci sua distância,
Escrevi versos desgrenhados,
Compus canções de desespero.
Desenhei um mosaico de saídas,
Sem achar as entradas,
Por isso, procuro criar gravuras novas.
Quero dançar a noite toda.
Quero alimentar a vida toda.
Os fatos que digo são sublinhados,
São quase que despercebidos.
Sem palavras para dizer,
Sem palavras para contar,
Os versos que fiz para você.
Para você, amor homenageado.
O passado não cortou comigo,
Mas, alguma coisa eu sei que posso esquecer,
Sei que posso mudar.
Minha versão é mais linear.
Minha versão tem mais luz,
Que me faz caminhar melhor.
Amor, agora te falo a minha versão,
Te falo do esquecimento,
Te falo em perdão,
Te falo da calmaria,
Descrevo a história que passei a contar.
Justifico o mesmo amor,
Que provo nos poemas
E selo nos teus lábios,
As palavras que exemplifiquei
A ti.

Escute: I Saw the Light - Lori Carson

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Lua para Cantar

Tenho um sonho para doar.
Tenho um pedido para fazer.
Tenho o sol para clarear.
Tenho versos para abençoar.
Tenho a lua para cantar.

Tenho frases para agarrar.
Tenho um disco para voar.
Tenho um amor para divagar.
Tenho um beijo para despertar.
Tenho um soneto para tocar.
Tenho estrelas para contar.
Tenho a lua para cantar.

Tenho dias para dividir.
Tenho limites para extrapolar.
Tenho saudades para curar.
Tenho poemas para difamar.
Tenho a lua para cantar.

Tenho tesouros para procurar.
Tenho paixões para encontrar.
Tenho uma música para descrever.
Tenho um paradeiro para chegar.
Tenho a vida para iluminar.
Tenho a lua para cantar.
Tenho a lua...

Escute: Fly me to the Moon - Paula Toller

terça-feira, 23 de outubro de 2007


Utopia. Utopia de paisagens pintadas. De gravuras em movimento. No movimento de cada caminho. Caminhos em espasmos, em pedras sabão. Caminhos de amor e preces. Preces pra estar perto de ti. Utopia. Sorrisos. Lugares comuns. Peças de um ballet deformado. Consertos em figuras condenadas. Figuras. Máscaras. Sombras. Utopia. Abstração. Contemplação. Contemplo meu sorriso Dorian Gray. Graças e bençãos. Estou perto de ti. Sou calor, descoberta e temor. Sou paz e despertar. O Negrito e o itálico. Sublinhado. Duas vezes. A roupa do fim do ano. Sou um canto de natal.
Utopia. Recomeçar. Despertar.Um sorriso. Sorriso de amante. Amante incompleto. Amante redefinido. Amante e utopia.

Fotografia de Guy Bourdin

Vida Íntima

Minha vida,
No fundo, no fundo, sou meio assim.
Me alegro, me entristeço.
Sambo, valso, sapateio,
Pisoteio, flutuo.
Tive várias vidas.
Tenho várias vidas.
Vidas paralelas, vidas dentro e fora.
Vidas brilhantes, vidas opacas.
Um milhão de todas elas.

Na vida que levo, estou a procura de encaixe.
Ela está sendo escrita com os olhos fechados.
Devo ter sido um marinheiro na outra.
Com um amor em cada porto.
Hoje, sou o porto dos meus amores.
Devo ter sido um bon vivant que beija a todos.
Beija os amores, beija as alegrias.
Tira a respiração das tristezas
E sela a vida.

Vida, por que falo tanto dela?
Aqui dentro sinto, às vezes, sua falta.
Então, vivo um pouco mais, para me preencher.
Meus pulmões respiram-na.
Meu coração bate por ela.
Minha essência é ela.

Na vida que terei, serei uma puta.
Que se dá, que se vende,
Que se acaba, que ri com lágrimas no rosto.
Nesta vida, deixarei marcas,
Onde eu passar.
Serei, enfim, uma mensagem,
Que ninguém entenderá.
Então, em seguida, ressurgirei como um santo,
Seguido por um séquito amigo.
Farei milagres nas vidas,
Para alimentar a luz aqui dentro.

Meu íntimo chama toda hora por vida.
E em todas as minhas,
Fui uma criança que sobreviveu.
Mas vida, quero tê-la um pouco mais que isso.
Quero que me ajude a reescrever você.

Escute:Lovely Head - Goldfrapp

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Gato de Botas

Procura marcas de sua presença.
Procura sinais, procura.
Ë a seca do Norte;
É o vendaval que leva tudo,
Ë o gosto do azedo,
É algo que não está normal.

Corrói, dispara, incomoda,
Confunde.
Rege uma ópera,
Rege uns mil instrumentos,
Uns mil corações.
Não deixa Alice dormir...

Fala com convicção.
Orquestra as estampas,
Pestaneja as verdades.
Sugere assuntos, perguntas
Deixa a platéia sem respostas,
Suborna, corrompe-a.

Não se faz tangível,
Não escreve seus episódios.
Pronuncia tudo em francês:
Roseta suas passagens.
Não deixa Alice entender...

Ensina caminhos errados,
Despista os festins,
Despista os incautos.
Transfigura os perfis.
É a estação que amedronta,
Um papel deixado num banco,
Escrito "Au Revoir".

É um eunuco lírico,
É um personagem abstrato,
É a retaliação de um sopro,
É nada de palpável,
É um espaço no vácuo,
Que não deixa Alice tocar.

Escute: Colours - Hot Trip

Anjo



Mesmo que tenha sido um passo,
Mesmo que tenha sido inventado,
Mesmo que tenha sido apenas uma fase,
Foste embora sem terminar o que falava.
Não me deste a chance de juntar tuas peças
E te seguir.
Não me colocaste no chão novamente;
De onde caí, era alto demais.
Mas, anjo, eu sobrevivi...
E agora tenho peças soltas nas mãos,
Faltam-lhe um encaixe teu.
Por isso, tentei tantas vezes te chamar.
Gritei, em vão, teu nome nos sonhos.
Percebi a poeira no nosso retrato.
Pediria então, que apagasse tudo,
Fazendo te esquecer por um instante,
Ser o que era antes disso.
Às vezes procuro sinais antigos de mim.
Mas você levou meu ontem,
Programando uma nova história,
Com palavras que eu não conhecia,
Com gestos que não eram meus.
Colocando asas em minhas costas
E partindo no momento errado:
Quando eu tive que seguir sozinho.
Anjo, eu só te peço um amanhecer,
Qualquer coisa escrita, pronunciada;
Você esqueceu um substituto,
Para estar na sua despedida.
Procuro tanto tua luz nos cantos da casa.
Pareço ainda ouvir teu barulho.
Tua ausência deixou versos incompletos,
Um palco vazio em mim.
Se falta cor agora,
Se uma lágrima até me escapa,
É neste silêncio que eu tento entender.
Ocupa estas paredes vazias.
Se dói demais o silêncio que preenche tua lembrança;
Se não vejo mais a sombra que você esqueceu de deixar;
Se não vi o adeus que não deu tempo de dar;
Se ainda guardo teu cheiro grudado na memória;
Se o teu sorriso, agora, só os outros contemplam, meu anjo.
Usa este corpo novamente,
Se alimenta de mim mais um pouco...
Minhas asas foram quebradas
E você esqueceu de me ensinar
A voar sozinho.

In memoriam ( 4 anos)

Escute: Sacrifice - Sinead O´Connor

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Cães, Judas e palhaços

Um corpo imobilizado.
Uma alma retalhada em sete partes iguais.
A cicatriz da mordida,
Como a lembrança de sua fraqueza.

A inútil dança da fuga.
O desespero da inércia.
O passo do traidor
É o resumo de sua queda.

As gargalhadas dos fantasmas.
Os pontos em falso dos fracos.
A maquiagem do louco.
A fantasia do pesadelo.

Apresento-lhes o soneto dos meus medos,
A trindade da covardia.

Escute: I Forgive me - Nicola Hitchcock
17 de Outubro. Acordei com o temor de ter perdido minhas ilusões. Acordei com o medo de ter cansado de procurar, de ter cansado de esperar. Toda inspiração escondida atrás do cinismo que adotei. Mesmo o sarcasmo só está sendo usado através de personagens. Minha vida tem se transformado num palco regido por tantos personagens, que acabei esquecendo do autor da peça. Uma preocupação ressonante.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Os espelhos mentem. Minha conclusão do dia: eles mentem. Eles não falam da entrada em meus cabelos, não falam dos cabelos brancos que prematuram em mim. Eles mentem sobre isso tudo. Eles maqueiam a ruga sob meus olhos. Eles maqueiam os sinais, maqueiam as expressões. Acredito em cada palavra deles, veemente. Amem.